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A Lenda da Mandioca do Livro

Couto de Magalhães, 1935

Em tempos idos, apareceu grávida a filha de um chefe selvagem, que residia nas imediações do lugar em que está hoje a cidade de Santarém. O chefe quis punir no autor da desonra de sua filha, a ofensa que sofrera seu orgulho e, para saber quem ele era, empregou debalde rogos, ameaças e por fim castigos severos. Tanto diante dos rogos como diante dos castigos a moça permaneceu inflexível, dizendo que nunca tinha tido relação com homem algum.

O chefe tinha deliberado matá-la, quando lhe apareceu em sonho um homem branco, que lhe disse que não matasse a moça, porque ela efetivamente era inocente, e não tinha tido relação com homem. Passados os nove meses, ela deu à luz uma menina lindíssima e branca, causando este último fato a surpresa não só da tribo como das nações vizinhas, que vieram visitar a criança, para ver aquela nova e desconhecida raça. A criança, que teve o nome de Mani e que andava e falava precocemente, morreu ao cabo de um ano, sem ter adoecido e sem dar mostras de dor.

Foi enterrada dentro da própria casa, onde era descoberta diariamente, sendo também diariamente regada a sua sepultura, segundo o costume do povo. Ao cabo de algum tempo, brotou da cova uma planta que, por ser inteira- mente desconhecida, deixaram de arrancar. Cresceu, floresceu e deu frutos. Os pássaros que comeram os frutos embriagaram-se e este fenômeno, desconhecido dos índios, aumentou-lhes a superstição pela planta. A terra afinal fendeu-se; cavaram-na e julgaram reconhecer no fruto que encontraram o corpo de Mani. Comeram-no e assim aprenderam a usar a mandioca.

[O fruto recebeu o nome de Mani-oca, que quer dizer: casa ou transformação de Mani, nome que conservamos corrompido na palavra mandioca, mas que os franceses conservam ainda sem corrupção] (COUTO DE MAGALHÃES, 1935, p. 167-168).

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